TCE/SC calcula custo do feminicídio em Santa Catarina

relatorio feminicidioUma auditoria do Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE/SC) apurou que, de janeiro de 2011 a agosto de 2018, ocorreram no Estado 353 casos de feminicídio íntimo — o índice é maior no Oeste, nas microrregiões de São Miguel do Oeste, Maravilha e Chapecó —, resultando em um custo superior a R$ 424 milhões para a economia e a sociedade. Diante destas e outras evidências levantadas com base em dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP/SC), em decisão aprovada nesta segunda-feira (10/6), o Pleno fez recomendações a poderes e órgãos no intuito de auxiliar na elaboração de políticas públicas e de contribuir para a implementação de iniciativas que minimizem o número de homicídios cometidos contra mulheres por violência doméstica ou discriminação de gênero.

Ao relatar o processo (@RLA 18/01156694), o conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall defendeu a necessidade do esforço conjunto de órgãos do Governo — entre eles a SSP/SC e as secretarias da Comunicação e da Assistência Social, Trabalho e Habitação —, da Assembleia Legislativa, do Tribunal de Justiça, Ministério Público e Tribunal de Contas, além do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Estado, para combater esse tipo de crime. “Com este trabalho, o TCE/SC está fazendo a sua parte nesta empreitada, preocupando-se não apenas com o custo do feminicídio para a sociedade catarinense, mas também em conscientizar outras instâncias para envidar esforços no enfrentamento dessa forma de violência”, manifestou.

Após a discussão da matéria, o presidente da Corte catarinense, conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Júnior, parabenizou a equipe da Diretoria de Atividades Especiais (DAE) pela realização do estudo e enfatizou que a primeira abordagem do feminicídio deve ser a partir da perspectiva humana, da tragédia pessoal e familiar que essa violência representa para o tecido social. “Mas se a dimensão humana dessa tragédia ainda não é capaz de sensibilizar uma sociedade materialista como a nossa, quem sabe o seu aspecto econômico e a sua materialização financeira sejam capazes de chamar a atenção da opinião pública e das autoridades competentes para lidar com essa verdadeira epidemia social”, argumentou. “E é a partir dessa perspectiva do impacto negativo que essa questão provoca nas contas públicas que o nosso Tribunal apresenta sua contribuição para o debate, visando o aprimoramento da atuação, inclusive de maneira coordenada e integrada, dos diversos atores públicos envolvidos com essa inadiável política pública”, completou.

Fortalecimento da vigilância; execução de ações coordenadas entre os órgãos envolvidos no tema; avaliação das políticas públicas de prevenção; realização de campanha publicitária estadual de combate ao feminicídio íntimo; capacitação dos profissionais da segurança pública e saúde; ampliação da divulgação de dados, com informação da quantidade de casos, perfil das vítimas e dos autores, local do crime, entre outras; e deliberação do Projeto de Lei (estadual) nº 065.7/2018, de prevenção à violência doméstica estão entre as medidas recomendadas, em função das constatações da DAE. “Todas são medidas factíveis, que necessitam de poucos recursos, ainda mais se comparados ao prejuízo decorrente da violência doméstica fatal”, salientaram os auditores fiscais de controle externo da diretoria no relatório.

Custos

Para identificar os custos decorrentes do feminicídio, a diretoria do TCE/SC utilizou uma metodologia que estimasse o valor presente do capital humano perdido e os gastos do sistema prisional, por meio do perfil de dados coletados junto à Secretaria de Segurança Pública e informações extraídas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Há um dano que não pode ser mensurado, isto é, aquele relacionado à dor e ao trauma gerado nos familiares e futuras gerações, que são as crianças ou menores afetados pelo feminicídio íntimo”, observaram os auditores fiscais.

No relatório, a área técnica do TCE/SC destacou que o custo de pelo menos R$ 424 milhões representa um valor per capita de R$ 60,60, ou seja, um prejuízo para cada habitante catarinense. Dentre os custos arcados pelo setor público, os cálculos levaram em conta os valores correspondentes ao sistema carcerário. Foram estimadas as despesas do Estado com auxílio-reclusão de R$ 1.319,18, benefício social recebido pelos dependentes da pessoa presa em regime fechado ou semiaberto, e da iniciativa privada, devido às mortes prematuras das vítimas, além do período ocioso de parte dos agressores que não trabalham durante o tempo de cumprimento da pena.

Neste total, segundo a DAE, não estão incluídos os gastos anteriores — como afastamentos do trabalho decorrentes das agressões físicas e psicológicas, traumas às famílias e aos filhos, atendimento médico e registros policiais — e posteriores — despesas hospitalares para se tentar evitar a morte prematura e com inquérito policial, custo do Judiciário, da Defensoria e do Ministério Público com processo penal, por exemplo — às violências, pois não foram possíveis de calcular. “O que demonstra, portanto, que o prejuízo decorrente do crime de feminicídio íntimo é bastante superior a R$ 424 milhões”, pontuou no relatório.

Conforme assinalado pela equipe da auditoria, o custo econômico de tal crime ganha mais relevância quando comparado com valores orçamentários do Estado. Só para se ter uma ideia, foi acarretada uma despesa quatro vezes superior ao gasto estadual de 2017 com assistência social, correspondeu também à metade das despesas com o Fundo Penitenciário e a 16% do que foi despendido com segurança pública no mesmo ano. “Políticas públicas de prevenção, quando bem executadas, são capazes de evitar despesas superiores no futuro, como é o caso do feminicídio íntimo que, só de despesas com encarceramento, cria uma conta de R$ 140 milhões para o Estado”, defenderam os auditores fiscais.

Raio X

De acordo com o levantamento da diretoria do TCE/SC, os 353 casos de feminicídio que ocorreram de janeiro de 2011 a agosto de 2018 equivalem a um a cada oito dias. Foi verificada maior incidência no fim de semana (27,14%) e entre 21 horas e 22 horas. Durante o período auditado, a DAE apontou que houve oscilação na quantidade destes crimes, tendo maior aumento em 2014 e maior queda no ano seguinte. O estudo revelou que 70% das vítimas possuíam menos de 40 anos. “Esta reflexão tem o intuito de auxiliar o Poder Público em conhecer suas omissões e, assim, saná-las para que novas mortes não ocorram”, destaca a DAE no relatório técnico.

O Oeste foi a região que mais concentrou tais situações, com incidência na área rural: nas microrregiões de Chapecó, São Miguel do Oeste e Maravilha. A região que registrou menos casos foi a do Norte, onde estão localizadas as cidades de Joinville e Jaraguá do Sul, que possuem a menor população rural. “A incidência de crimes desta categoria na área rural reforça o diagnóstico frequente entre especialistas de que se deve interiorizar os serviços públicos de proteção às mulheres”, destacaram os técnicos do Tribunal.

Com relação ao perfil étnico dos autores e das vítimas, a equipe verificou que segue a proporção populacional e relatou que a maioria dos criminosos tinha dois anos a mais que as mulheres mortas. E sobre a forma ou instrumento utilizado, salientou que 62% dos crimes foram executados cruelmente, com o uso de armas brancas (46%) — o que demonstra o caráter doméstico — ou provocados por asfixia (13%) e outros tipos de agressões físicas (3%). Para a área técnica e com base em extensa bibliografia sobre o tema, a independência financeira das mulheres — diante da mudança de papéis tradicionais de gênero em regiões de maior desenvolvimento econômico, a partir da entrada delas no mercado de trabalho —, e o tradicionalismo, onde as mulheres têm relação de subordinação, estão entre os principais fatores que influenciam este tipo de crime.

Durante a sessão, o conselheiro Luiz Roberto Herbst, a conselheira substituta Sabrina Nunes Iocken e o procurador-geral adjunto do Ministério Público de Contas, Aderson Flores, cumprimentaram os auditores fiscais de controle externo pelo trabalho desenvolvido. “Como resultado, tivemos a ratificação das competências do Tribunal nessa temática, com estudo sobre o seu impacto financeiro”, afirmou Sabrina.

Além dos integrantes do Pleno e de servidores do TCE/SC e de advogados presentes, prestigiaram a apresentação do estudo o presidente da União Nacional dos Legisladores e Legislativos Estaduais (Unale), deputado estadual Kennedy Nunes — que lidera movimento nacional contra o suicídio e a violência da mulher —, o vereador Tiago Silva, de Florianópolis — que entregou ao presidente Adircélio projeto da Casa da Mulher, um espaço de atendimento às mulheres em situação de violência —, e o vereador Filipe Schimitz, de Antônio Carlos. A sessão foi transmitida ao vivo e está disponível no canal do Tribunal de Contas no Youtube.

Feminicídio íntimo

Expressão utilizada internacionalmente para caracterizar mortes não acidentais de mulheres em âmbito familiar, ocasionadas por seu parceiro ou alguém de convívio familiar.

No Brasil, este crime está previsto desde 2015, com a Lei Nº 13.104, que alterou o art. 121 do Código Penal. Esta lei prevê o feminicídio como uma circunstância qualificadora do crime de homicídio.

Fonte: Relatório da DAE/TCE
Texto: Acom/TCE

Recomendações

À Secretaria de Estado da Segurança Pública

– Avalie a adoção de novas medidas de fortalecimento da vigilância e a prevenção à violência contra a mulher, considerando a implementação, em parceria com o Tribunal de Justiça, do sistema denominado “Botão do Pânico” no Estado, um dispositivo com georreferenciamento que pode ser acionado pela vítima pregressa ao se sentir ameaçada pelo ex-companheiro.

– Avalie a necessidade de capacitação dos profissionais de segurança pública, sobretudo daqueles que atuam diretamente com as vítimas.

– Amplie os trabalhos de prevenção à violência doméstica, em especial os distintos grupos de terapia, com vítimas e agressores, e o projeto “Polícia Civil por Elas nas Escolas”.

– Considere a possibilidade de se firmar convênios de cooperação com universidades, de modo que professores e alunos em formação possam atuar junto às vítimas de violência doméstica em grupos terapêuticos.

– Amplie a divulgação dos dados relativos à violência doméstica e ao feminicídio no portal do órgão, com informação da quantidade de casos, perfil das vítimas e dos autores, local do crime, entre outras.

À Secretaria de Estado da Comunicação

– Realize ação publicitária na mídia com o objetivo de reduzir a violência doméstica e o feminicídio, por meio da divulgação dos serviços públicos disponíveis para proteção das vítimas e estímulos à denúncia, medindo o grau de alcance da publicidade e mensurando o impacto na população.

À Secretaria de Estado da Assistência Social, Trabalho e Habitação

– Estude a possibilidade de elaborar, em parceria com os demais órgãos do Estado, uma escala de avaliação do perigo do feminicídio.

Ao Governador do Estado

– Avalie, periodicamente, as políticas públicas adotadas para coibir a violência contra a mulher.

Ao Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de Santa Catarina

– Avalie a necessidade de promover em âmbito municipal a capacitação dos profissionais de saúde que atendam vítimas de violência doméstica.

À Assembleia Legislativa

– Confira especial atenção à deliberação do Projeto de Lei nº 065.7/2018, que trata da prevenção da violência doméstica com Estratégia Saúde da Família.

Ao Tribunal de Justiça

– Efetue registro fiel e publique mensalmente em portal da transparência dados relativos à violência doméstica e feminicídio, como quantidade de casos, perfil das vítimas e autores, entre outras informações judiciais.

Ao Ministério Público

– Efetue o registro fiel dos dados relativos à violência doméstica e ao feminicídio de atribuição do órgão, e a publicação mensal de tais informações em portal da transparência.

Ao Tribunal de Contas

– Considere os resultados da auditoria no planejamento para a execução de futuras fiscalizações no âmbito da segurança pública, do feminicídio e da violência doméstica.

Fonte: Voto do relator do processo (@RLA 18/01156694), conselheiro Wilson Wan-Dall.
Texto: Acom/TCE
Foto: Douglas Santos (ACOM – TCE/SC)

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