Apesar de o Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE/SC) ter aprovado as contas de 2017 do Governo do Estado por 4 votos a 1, o parecer do Ministério Público de Contas (MPC-SC) é pela rejeição. Em seu parecer, o Procurador-Geral Aderson Flores apontou 10 falhas graves do Estado. Além disso, Flores apresenta 12 ressalvas e sete recomendações ao Governo, bem como cinco determinações às diretorias competentes do TCE. Entre as falhas graves, destaque para o descumprimento do repasse mínimo exigido pela lei para as áreas da Educação e Saúde e falta de transparência nos registros contábeis de renúncias de receitas bilionárias em Santa Catarina. O parecer do MPC, com mais de 100 páginas detalhando as irregularidades, é um documento público e pode ser acessado aqui:
Com relação à aplicação em Educação, o art. 212 da Constituição estabelece que os Estados apliquem anualmente 25%, no mínimo, da receita resultante de impostos, na manutenção e desenvolvimento do ensino. Feitas as devidas compensações, auditores da Diretoria de Controle de Contas de Governo (DCG) verificaram que o Estado aplicou em manutenção e desenvolvimento do ensino, no exercício de 2017, a importância de R$ 4,19 bilhões, equivalente ao percentual de 22,70% da receita líquida de impostos e transferências. Para atingir o mínimo exigido constitucionalmente, o governo estadual deveria ter aplicado mais R$ 425,59 milhões.
O descumprimento constitucional é recorrente, tendo sido objeto de seguidas ressalvas e recomendações nos pareceres prévios referentes aos exercícios financeiros precedentes. Além disso, tem-se que no exercício de 2017 (R$ 121,40 milhões) o Estado atingiu o menor nível nominal em investimentos na área desde o exercício de 2011, representando ainda menos de 50% do montante nominal aplicado no exercício de 2009 (259,89 milhões). Entre entre 2011 e 2017, deixaram de ser aplicados R$ 2,33 bilhões em manutenção e desenvolvimento do ensino por conta do sucessivo descumprimento constitucional.
O Governo do Estado rebate o posicionamento do MPC alegando que, se computado o pagamento dos inativos, a aplicação em Educação ultrapassaria os 25%. Entretanto, o cômputo dos inativos da educação, na forma pretendida pelo Governo, encontra-se em contrariedade com a orientação sobre a matéria exarada pela Secretaria do Tesouro Nacional, conforme Anexo VIII do Manual de Demonstrativos Fiscais.
Na saúde, o Estado também deixou de cumprir a lei. De acordo com a Constituição, os Estados devem aplicar em ações e serviços públicos de saúde o valor mínimo correspondente a 12% do produto da arrecadação dos impostos, acrescido das transferências de recursos provenientes da União, deduzidos os valores transferidos aos Municípios, relativos à participação destes nas receitas dos Estados.
No âmbito do Estado de Santa Catarina, a Emenda Constitucional n° 72/2016 alterou as redações do art. 155, § 2° e inciso II, da Constituição Estadual e do art. 50 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, elevando o patamar mínimo para 15%, com regra de transição para o exercício fiscal de 2017 no percentual de 13%.
Segundo auditores da DCG, no exercício de 2017, aplicou-se em ações e serviços públicos de saúde a importância de R$ 2,35 bilhões, equivalente a 12,73% das receitas líquidas de impostos e transferências, cumprindo o mandamento da Constituição Federal, porém descumprindo o percentual mínimo de transição fixado pela Constituição Estadual para o exercício de 2017, com aplicação a menor de R$ 50.079.236,11.
Paralelamente ao descumprimento da legislação estadual, há ainda o passivo da Secretaria de Estado da Saúde, auditado pela Diretoria de Atividades Especiais – DAE do TCE nos autos do processo n° @RLA-17/00850315. Os elementos trazidos no Relatório n° DAE-3/2018, tomando por base os resultados acumulados dos exercícios de 2012 a 2017 (até 30-9-2017), demonstram graves irregularidades contábeis e financeiras, cuja dimensão transborda os limites setoriais da pasta. Existem despesas realizadas pelo Fundo Estadual de Saúde, no montante de R$ 492.424.083,13, sem o devido registro contábil, representando 45,43% do verdadeiro passivo da Unidade, que alcança a cifra bilionária de R$ 1.083.958.642,18, considerando-se somente os dados auditados até 30-9-2017.
Mesmo diante desse quadro na Saúde e na Educação, o Governo do Estado optou por renúncias fiscais que somam R$ 5,58 bilhões. Esse montando representa quase 20% da receita do Estado, e o maior problema é que apenas 5,67% desse valor foi contabilizado pela Secretaria Estadual da Fazenda. Faltam mecanismos de controle efetivo dos benefícios fiscais concedidos para que o retorno possa ser avaliado pela sociedade.
“Não é admissível que a Secretaria da Fazenda possua o controle de apenas 5,67% da renúncia de receita estimada, cujo total representa mais de 20% da receita arrecadada em 2017, ao mesmo tempo em que o Estado não consegue cumprir o mínimo constitucional em educação e saúde, ou mesmo o atendimento da Lei Estadual 16.159/2013, referente ao repasse de incentivos financeiros aos municípios destinados a consultas e exames de média e alta complexidade”, explica o Procurador-Geral Aderson Flores.
Outra falha grave apontada no parecer do Ministério Público de Contas é o déficit orçamentário no valor de R$ 221,32 milhões, ocasionado pelo descumprimento da meta de receita total para o exercício, acarretando o descumprimento do princípio do equilíbrio orçamentário. Se consideradas, ainda, as despesas de 2017 sem empenho, esse déficit chega a R$ 630 milhões. Aliás, as despesas sem empenho também justificaram o parecer pela rejeição das contas.
A lista do Ministério Público de Contas sobre as irregularidades graves nas contas do governo traz ainda:
- abertura de créditos adicionais (suplementares e especiais) por superávit financeiro ou excesso de arrecadação, sem que houvesse o preenchimento dos requisitos legais para tanto;
- realização de despesas sem prévio empenho no montante de R$ 351.824.803,36, com registro no subsistema patrimonial, gerando distorções no resultado orçamentário em desacordo com o art. 85 da Lei n° 4320/64, ocasionando déficit orçamentário ajustado de R$ 573.142.339,37;
- realização de despesas sem prévio empenho e sem registros contábeis, contrariando preceitos básicos da contabilidade pública, no montante de R$ 57.768.707,59, que somados às despesas sem prévio empenho registradas no subsistema patrimonial, resulta em déficit orçamentário ajustado de R$ 630,91 milhões;
- excesso de despesas de exercícios anteriores, no montante de R$ 554,73 milhões, em contrariedade ao caráter excepcional de tais despesas, causando significativa distorção do resultado orçamentário apurado em cada período, com ônus para os exercícios subsequentes;
- descumprimento reiterado da meta de resultado primário nos últimos seis exercícios, demonstrando planejamento orçamentário não condizente com a gestão fiscal responsável;
- aplicação de 1,43% para assistência a estudantes do ensino superior, quando a Constituição Estadual determina 5%.
Entre as ressalvas feitas pelo Ministério Público à prestação de Contas do Estado estão:
- execução abaixo do previsto em programas de governo;
- execução abaixo do previsto em ações definidas como prioritárias pela sociedade em audiências públicas;
- evolução da dívida ativa, descumprimento da lei que determina aplicação de 1,01% em educação superior;
- descumprimento de metas do Plano Nacional de Educação;
- ausência de repasses aos municípios de valores destinados a consultas e exames de média e alta;
- descumprimento do repasse mínimo para a pesquisa científica e tecnológica;
- falta de autonomia do controle interno do Poder Executivo;
- gastos elevados com publicidade;
- descumprimento das metas de aplicação no Fundo para a Infância e Adolescência (FIA).
Há, ainda, uma série de recomendações aos gestores públicos e determinações ao TCE para a realização de auditorias no Fundo Financeiro, na CASAN, CODESC, INVESC e SCGÁS, além de auditoria relativa à abertura de créditos adicionais.
Durante a apreciação do relatório das contas do Estado em sessão plenária no TCE, nesta quarta-feira, dia 6, o Secretário da Fazenda de Santa Catarina, Paulo Eli, que representou o governador Eduardo Pinho Moreira, afirmou que as despesas obrigatórias não cabem no orçamento do Estado. “Uma coisa é a análise dos números. Outra é a realidade de quem está na ponta”, disse o secretário se referindo ao parecer do MPC.
Representando o ex-governador Raimundo Colombo, o ex-secretário da Casa Civil Nelson Serpa apresentou os contrapontos ao parecer ministerial. Serpa iniciou mostrando a queda na arrecadação do Estado. Com relação à Educação, o Governo defende a inclusão do pagamento dos inativos no cálculo, superando, assim o mínimo constitucional. Na Saúde, Serpa justifica que não foram computados os valores sequestrados pela Justiça, além de outras despesas empenhadas somente em 2018.
O relator da matéria conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall acatou as justificativas do Governo em seu relatório e apresentou voto pela aprovação das contas. Já a conselheira substituta Sabrina Nunes Iocken seguiu o parecer do Ministério Público e votou pela rejeição das contas.
Após 4 horas de sessão, o parecer prévio do TCE recomendando a aprovação das contas de 2017 foi aprovado por 4 votos a 1. Votaram pela aprovação: o relator conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall, o conselheiro Herneus de Nadal, o conselheiro José Nei Alberton Ascari e o conselheiro César Filomeno Fontes. A conselheira Sabrina Nunes Iocken foi o voto divergente.