Após constatar “in loco” uma série de irregularidades no armazenamento de medicamentos e identificar indícios de anomalia no processo licitatório, o Ministério Público de Contas de Santa Catarina ingressou com uma representação junto ao Tribunal de Contas do Estado pedindo a imediata suspensão do contrato entre a Prefeitura de Florianópolis e a empresa Prime Log. A representação foi protocolada na última sexta-feira, 1º de fevereiro, um dia após o almoxarifado ter sido totalmente interditado pela Vigilância Sanitária. Na ocasião, aproximadamente 10 mil ampolas de insulina foram apreendidas e inutilizadas por estarem em temperatura inadequada. O prejuízo pode chegar a R$ 400 mil. O almoxarifado está localizado no município de São José e foi interditado pela Vigilância municipal.
>>>> Veja a íntegra do texto da representação
“A empresa não possui a estrutura mínima necessária para a execução do contrato. Por isso, pedimos, liminarmente, ao TCE a suspensão do contrato. Além do risco à saúde da população, há dinheiro público envolvido num processo de contratação que apresenta irregularidades. Agora, o TCE vai analisar nosso pedido. Caso seja acatado, o Tribunal pode determinar à Prefeitura a suspensão do contrato, realizar diligências no local e pedir novos documentos aos envolvidos”, explica a Procuradora-Geral de Contas, Cibelly Farias.
Como o MPC chegou ao caso
Em 2018, o Ministério Público de Contas de Santa Catarina recebeu denúncia de possíveis irregularidades relativas ao contrato nº 487/SME/2018, decorrente da Concorrência 462/SMA/DSLC/2017, tendo por objeto a contratação de empresa para prestação de serviços de natureza continuada de serviços de logística de materiais e gestão de almoxarifado. Considerando recebimento, armazenamento e distribuição para todos os órgãos da Prefeitura Municipal de Florianópolis, o custo anual do contrato chega a R$ 2.602.800,00.
Em setembro de 2018, foi expedido ofício ao Secretário Municipal de Administração, solicitando todas as informações relativas ao processo licitatório, contrato, bem como eventuais pagamentos realizados. A resposta da Prefeitura Municipal chegou no dia 29 de outubro de 2018. Desde então, procedeu-se a análise dos documentos recebidos. Além disso, o MPC realizou vistoria in loco nos dias 28 e 30 de janeiro deste ano.
A investigação foi realizada em colaboração com Ministério Público de Santa Catarina, por intermédio da 31ª. Promotoria de Justiça da Comarca da Capital, no âmbito do Inquérito Civil n. 06.2018.00006504-2. A conclusão da Procuradora-Geral de Contas, Cibelly Farias, é de que há fortes indícios de irregularidades tanto no processo licitatório quando na execução do contrato.
Processo licitatório
Originalmente, a vencedora do certame foi a empresa Logic Pharma Logística e Armazéns Gerais LTDA. Após passar por todo processo, a Logic Pharma desistiu do contrato e, com isso, o processo resultou na contratação da empresa que havia ficado na segunda posição, Primelog. A proposta da empresa Logic Pharma era de R$ 9.360.000,00 para os 48 meses de contrato, enquanto a da empresa Primelog, ao fim contratada, foi de R$ 10.411.200,00, uma diferença de R$ 1.051.200,00.
Ao analisar a documentação, o MP de Contas constatou que, ao momento da licitação, a empresa Primelog apresentou objeto social cujas atividades não incluem o armazenamento e distribuição de medicamentos. Tal fato comprova-se tanto pela inscrição e situação cadastral informadas pela Receita Federal, como pela certidão simplificada emitida pela Junta Comercial do Estado de Santa Catarina. Em consulta à Jucesc, é possível confirmar que o pedido de alteração da atividade empresarial, de modo a incluir “logística e transporte rodoviário de carga intermunicipal, interestadual e internacional, carga e descarga de mercadorias, comércio atacadista, varejista e distribuidora de medicamentos, produtos de higiene, limpeza, sanantes e correlato” se deu apenas no dia 29 de janeiro de 2019, quando já corria a execução do contrato e milhares de medicamentos já se encontravam armazenados no depósito e sendo distribuídos para a rede municipal de saúde.
Além disso, tanto o Alvará Sanitário quando o Certificado de Regularidade Técnica encontram-se irregulares, uma vez que registram atividades diversas do armazenamento e distribuição de medicamentos. O Alvará Sanitário, expedido pela Vigilância Sanitária Municipal de Palhoça, diz respeito apenas à atividade de “comércio em geral”. Já o Certificado emitido pelo CRF-SC foi emitido tendo por referência a atividade de “Distribuição de Produtos de Higiene e Limpeza”. Em momento algum, qualquer dos órgãos certificadores fez referência a armazenamento e distribuição de medicamentos.
Mais adiante, no tocante à comprovação de experiência prévia, alguns detalhes chamaram a atenção dos técnicos do MPC: para demonstrar seus três anos de experiência, foram apresentados dois atestados sem o nome do subscritor e três notas fiscais, sequenciais, emitidas em curto espaço de tempo, com valores pouco condizentes com a natureza do trabalho.
Outrossim, com relação à exigência de áreas de temperatura controlada para armazenamento de medicamentos, ressalta-se que a empresa apresentou relatório de qualificação térmica referente ao equipamento de câmara fria, com endereço na Rua Aurélia Maria Maia, 217, bairro Aririu da Formiga, município de Palhoça. Ocorre que a execução do contrato não se deu em tal endereço, mas sim em um galpão alugado no município de São José.
Execução do contrato
O MPC fez verificações in loco nas dependências da empresa, sendo a primeira delas executada exclusivamente por servidores deste MPC, no dia 28/01/2019, e a segunda, em vistoria conjunta integrada também pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina e pela Vigilância Sanitária do Município de São José.
A conclusão após as vistorias é de que não há estrutura mínima para a execução do contrato, edital e seus anexos. O local não possui alvarás e certificações próprias para tal, não pode armazenar e distribuir medicamentos e saneantes domissanitários; ocorreu a inutilização de mais de 10 mil unidades de insulina destinados ao uso da população porque estavam acondicionadas em temperatura superior à necessária; há um iminente risco à saúde pública, considerando a probabilidade de unidades de insulina armazenadas inadequadamente terem sido distribuídas às unidades de saúde do município; houve ausência de fiscalização por parte do Poder Público Municipal na fiscalização do contrato, desde o início de sua execução até o momento atual.
Embora o edital e o contrato exigissem sistemas, rotinas, procedimentos e técnicas de controle qualitativo e quantitativo de estoque e registros de movimentação, os funcionários da empresa informaram que, no dia da vistoria (30/01) chegaram 3.300 unidades de insulina (toda ela inutilizada, diga-se). Quando questionados, não apresentaram nenhuma guia ou documento interno que comprovasse o recebimento desse material, com a necessária conferência da qualidade e quantidade dos produtos recebidos, tampouco o seu devido lançamento no sistema de controle. Tal fato permite aduzir que, se tal situação ocorre com os medicamentos que demandam procedimentos especiais e atenção redobrada, pode muito bem ocorrer com o recebimento e controle de estoque de todos os produtos ali armazenados, abrindo margem para uma série de práticas ilícitas. Por tal razão, faz-se necessária uma aprofundada auditoria em todo estoque de produtos pertencentes à Prefeitura Municipal ali armazenados.
Na vistoria realizada no dia 30/01, a empresa não apresentou os “mapas” de distribuição das ampolas de insulina às unidades de saúde do Município de Florianópolis, nas datas em que os refrigeradores apresentaram picos de temperatura (a partir do dia 04/01/2019), o que demonstra que o sistema de controle de entrada, saída e distribuição de materiais estocados no local é precário – descumprindo, por consequência, uma das principais exigências previstas no edital do processo licitatório Concorrência n. 462/SMA/DSLC/2017.